Entenda as origens e os interesses envolvidos nos combates na faixa de Gaza
Novo conflito na faixa de Gaza já completou 1 mês
REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa
Israel anunciou a retomada dos ataques aéreos a Gaza, após militantes
palestinos terem disparados foguetes contra o território israelense após
o final de um período de 72 horas de cessar-fogo, encerrado na manhã
desta sexta-feira (8).
O Exército israelense classificou os ataques como "inaceitáveis,
intoleráveis e míopes". O grupo militante palestino Hamas, que controla a
faixa de Gaza, havia rejeitado a extensão do cessar-fogo, alegando que
Israel não atendeu suas demandas.
O atual conflito na faixa de Gaza já dura um mês, sem perspectivas de
um acordo de longo prazo que coloque fim à violência que já matou mais
de 1.900 pessoas, a maioria civis.
As cicatrizes do confronto são visíveis, principalmente na faixa de
Gaza. De acordo com a ONU, cerca de 373 mil crianças irão necessitar de
apoio psicossocial. Aproximadamente 485 mil pessoas foram deslocadas
para abrigos de emergência ou casas de outras famílias palestinas.
Além disso, 1,5 milhão de pessoas que não vivem em abrigos estão sem acesso a água potável.
Mas para compreender o conflito israelense-palestino é preciso olhar além dos números.
A BBC responde a dez perguntas básicas para entender por que esse
antigo conflito entre israelenses e palestinos é tão complexo e
polarizado.
1. Como o conflito começou?
O movimento sionista, que procurava criar um Estado para os judeus,
ganhou força no início do século 20, incentivado pelo antissemitismo
sofrido por judeus na Europa.
A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo,
considerada sagrada para muçulmanos, judeus e católicos, pertencia ao
Império Otomano naquele tempo e era ocupada, principalmente, por
muçulmanos e outras comunidades árabes. Mas uma forte imigração judaica,
alimentada por aspirações sionistas, começou a gerar resistência entre
as comunidades locais.
Após a desintegração do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, o
Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações para administrar o
território da Palestina.
Mas, antes e durante a guerra, os britânicos fizeram várias promessas
para os árabes e os judeus que não se cumpririam, entre outras razões,
porque eles já tinham dividido o Oriente Médio com a França. Isso
provocou um clima de tensão entre árabes e nacionalistas sionistas que
acabou em confrontos entre grupos paramilitares judeus e árabes.
Após a Segunda Guerra Mundial e depois do Holocausto, aumentou a
pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu. O plano original previa
a partilha do território controlado pelos britânicos entre judeus e
palestinos.
Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, a tensão deixou de
ser local para se tornar questão regional. No dia seguinte, Egito,
Jordânia, Síria e Iraque invadiram o território. Foi a primeira guerra
árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como a guerra de
independência ou de libertação. Depois da guerra, o território
originalmente planejado pela Organização das Nações Unidas para um
Estado árabe foi reduzido pela metade.
Para os palestinos, começava ali a nakba, palavra em árabe para
"destruição" ou "catástrofe": 750 mil palestinos fugiram para países
vizinhos ou foram expulsos pelas tropas israelenses.
Mas 1948 não seria o último ano de confronto entre os dois povos. Em
1956, Israel enfrentou o Egito em uma crise motivada pelo Canal de Suez,
mas o conflito foi definido fora do campo de batalha, com a confirmação
pela ONU da soberania do Egito sobre o canal, após forte pressão
internacional sobre Israel, França e Grã-Bretanha.
Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente o cenário na região
- a Guerra dos Seis Dias. Foi uma vitória esmagadora para Israel contra
uma coalizão árabe. Após o conflito, Israel ocupou a Faixa de Gaza e a
Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém
Oriental) da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria. Meio milhão de
palestinos fugiram.
Israel e seus vizinhos voltaram a se enfrentar em 1973. A Guerra do Yom
Kippur colocou Egito e Síria contra Israel numa tentativa dos árabes de
recuperar os territórios ocupados em 1967.
Em 1979, o Egito se tornou o primeiro país árabe a chegar à paz com
Israel, que desocupou a Península do Sinai. A Jordânia chegaria a um
acordo de paz em 1994.
2. Por que Israel foi fundado no Oriente Médio?
A religião judaica diz que a área em que Israel foi fundado é a terra
prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, e seus descendentes.
A região foi invadida pelos antigos assírios, babilônios, persas,
macedônios e romanos. Roma foi o império que nomeou a região como
Palestina e, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus de suas
terras depois de lutar contra os movimentos nacionalistas que buscavam
independência.
Com o surgimento do Islã, no século 7 d.C., a Palestina foi ocupada
pelos árabes e depois conquistada pelas cruzadas europeias. Em 1516,
estabeleceu-se o domínio turco, que durou até a Primeira Guerra Mundial,
quando o mandato britânico foi imposto.
A Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina disse em seu
relatório à Assembleia Geral em 3 de setembro de 1947 que as razões para
estabelecer um Estado judeu no Oriente Médio eram baseados em
"argumentos com base em fontes bíblicas e históricas", na Declaração de
Balfour de 1917 - em que o governo britânico se pôs favorável a um "lar
nacional" para os judeus na Palestina - e no mandato britânico na
Palestina.
Reconheceu-se a ligação histórica do povo judeu com a Palestina e as bases para a constituição de um Estado judeu na região.
Após o Holocausto nazista contra milhões de judeus na Europa durante a
Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional para o
reconhecimento de um Estado judeu.
Sem conseguir resolver a polarização entre o nacionalismo árabe e o sionismo, o governo britânico levou a questão à ONU.
Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou um plano de
partilha da Palestina, que recomendou a criação de um Estado árabe
independente e um Estado judeu e um regime especial para Jerusalém.
O plano foi aceito pelos israelenses mas não pelos árabes, que o viam
como uma perda de seu território. Por isso, nunca foi implementado.
Um dia antes do fim do mandato britânico da Palestina, em 14 de maio de
1948, a Agência Judaica para Israel, representante dos judeus durante o
mandato, declarou a independência do Estado de Israel.
No dia seguinte, Israel solicitou a adesão à ONU, condição que alcançou
um ano depois. Hoje, 83% dos membros da ONU reconhecem Israel (160 de
192).
3. Por que há dois territórios palestinos?
Relatório da Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina à
Assembleia Geral, em 1947, recomendou que o Estado árabe incluiria a
área oeste da região da Galileia, a região montanhosa de Samaria e
Judeia com a exclusão da cidade de Jerusalém e a planície costeira de
Isdud até a fronteira com o Egito.
Mas a divisão do território foi definida pela linha de armistício de
1949, estabelecida após a primeira guerra árabe-israelense.
Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia (incluindo Jerusalém
Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre eles é de cerca de 45 km
de distância. A área é de 5.970 km2 e 365 km2, respectivamente.
Originalmente ocupada por Israel, que ainda mantém o controle de sua
fronteira, Gaza foi ocupada pelo Exército israelense na guerra de 1967 e
foi desocupada apenas em 2005. O país, no entanto, mantém um bloqueio
por ar, mar e terra que restringe a circulação de mercadorias, serviços e
pessoas.
Gaza é atualmente controlada pelo Hamas, o principal grupo islâmico
palestino que nunca reconheceu os acordos assinados entre Israel e
outras facções palestinas.
A Cisjordânia é governada pela Autoridade Nacional Palestina, governo
palestino reconhecido internacionalmente, cujo principal grupo, o Fatah,
é laico.
4. Israelenses e palestinos nunca se aproximaram da paz?
Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento de milhares de
pessoas que perderam suas casas, o movimento nacionalista palestino
começou a se reagrupar na Cisjordânia e em Gaza, controlados pela
Jordânia e Egito, respectivamente, e nos campos de refugiados criados em
outros países árabes.
Pouco antes da guerra de 1967, organizações palestinas como o Fatah,
liderado por Yasser Arafat, formaram a Organização para a Libertação da
Palestina (OLP) e lançaram operações contra Israel, primeiro a partir da
Jordânia e, depois, do Líbano. Os ataques também incluíram alvos
israelenses em solo europeu.
Em 1987, teve-se início o primeiro levante palestino contra a ocupação
israelense. A violência se arrastou por anos e deixou centenas de
mortos. Um dos efeitos da intifada foi a assinatura, entre a OLP e
Israel em 1993, dos acordos de paz de Oslo, nos quais a organização
palestina renunciou à "violência e ao terrorismo" e reconheceu o
"direito" de Israel "de existir em paz e segurança", um reconhecimento
que o Hamas nunca aceitou.
Após os acordos assinados em Oslo, foi criada a Autoridade Nacional
Palestina, que representa os palestinos nos fóruns internacionais. O
presidente é eleito por voto direto. Ele, por sua vez, escolhe um
primeiro-ministro e os membros de seu gabinete. Suas autoridades civis e
de segurança controlam áreas urbanas (zona A, segundo Oslo). Somente
representantes civis - e não militares - governam áreas rurais (área B).
Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica de palestinos, não
está incluída neste acordo e é uma das questões mais polêmicas entre as
partes.
Mas, em 2000, a violência voltou a se intensificar na região, e teve
início a segunda intifada palestina. Desde então, israelenses e
palestinos vivem num estado de tensão e conflito permanentes.
5. Quais são os principais pontos de conflito?
A demora na criação de um Estado palestino independente, a construção
de assentamentos israelenses na Cisjordânia e a barreira construída por
Israel - condenada pelo Tribunal Internacional de Haia - complicam o
andamento de um processo paz.
Mas estes não são os únicos obstáculos, como ficou claro no fracasso
das últimas negociações de paz sérias, em Camp David, nos Estados
Unidos, em 2000, quando o então presidente Bill Clinton não conseguiu
chegar a um acordo entre Arafat e o primeiro-ministro de Israel, Ehud
Barak.
As diferenças que parecem irreconciliáveis são:
Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a cidade inteira (sagrada
para judeus, muçulmanos e cristãos) e afirma que a cidade é sua capital
“eterna e indivisivel”, após ocupar Jerusalém Oriental em 1967. A
reivindicação não é reconhecida internacionalmente. Os palestinos querem
Jerusalém Oriental como sua capital.
Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro Estado seja delimitado
pelas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, antes do início da
Guerra dos Seis Dias, o que incluiria Jerusalém Oriental, o que Israel
rejeita.
Assentamentos: ilegais sob a lei internacional, construídos pelo
governo israelense nos territórios ocupados após a guerra de 1967. Na
Cisjordânia e em Jerusalém Oriental há mais de meio milhão de colonos
judeus.
Refugiados palestinos: os palestinos dizem que os refugiados (10,6
milhões, de acordo com a OLP, dos quais cerca de metade são registrados
na ONU) têm o direito de voltar ao que é hoje Israel. Mas, para Israel,
permitir o retorno destruiria sua identidade como um Estado judeu.
6. A Palestina é um país?
A ONU reconheceu a Palestina como um "Estado observador não membro" no
final de 2012, deixando de ser apenas uma "entidade” observadora.
A mudança permitiu aos palestinos participar de debates da Assembleia
Geral e melhorar as chances de filiação a agências da ONU e outros
organismos.
Mas o voto não criou um Estado palestino. Um ano antes, os palestinos
tentaram, mas não conseguiram, apoio suficiente no Conselho de
Segurança.
Quase 70% dos membros da Assembleia Geral da ONU (134 de 192) reconhecem a Palestina como um Estado.
7. Por que os EUA são o principal parceiro de Israel? Quem apoia os palestinos?
A existência de um importante e poderoso lobby pró-Israel nos Estados
Unidos e o fato da opinião pública ser frequentemente favorável a Israel
faz ser praticamente impossível a um presidente americano retirar apoio
a Israel.
De acordo com uma pesquisa encomendada pela BBC no ano passado em 22
países, os EUA foram o único país ocidental com opinião favorável a
Israel, e o único país na pesquisa com uma maioria de avaliações
positivas (51%).
Além disso, ambos os países são aliados militares: Israel é um dos
maiores receptores de ajuda americana, grande parte destinada a
subsídios para a compra de armas.
Palestinos não têm apoio aberto de nenhuma potência.
Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas, após a deposição pelo
Exército do presidente islamita Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana -
historicamente associada ao Hamas. Hoje em dia o Catar é o principal
país que apoia o Hamas.
8. Por que estão se enfrentando agora?
Após o colapso das negociações de paz patrocinadas pelos Estados Unidos
e o anúncio, no início de junho, de um governo de união nacional entre
as facções palestinas Fatah e Hamas, considerado inaceitável por Israel,
iniciou-se uma nova onda de violência.
No dia 12 de junho, três jovens israelenses foram sequestrados na
Cisjordânia e, dias depois, encontrados mortos. Israel culpou o Hamas e
prendeu centenas de membros do grupo.
Israel reconheceu posteriormente que não poderia garantir se os responsáveis teriam sido o Hamas ou um grupo independente.
Após as prisões, o Hamas disparou foguetes contra território israelense. Israel lançou ataques aéreos em Gaza.
Em 2 de julho, um dia após o funeral dos jovens israelenses, um
palestino de 16 anos foi sequestrado em Jerusalém Oriental e
assassinado. Três israelenses foram acusados de queimá-lo vivo e, em
Gaza, houve um aumento do disparo de foguetes contra Israel.
No dia 8 de julho, o Exército de Israel lançou uma operação contra militantes do Hamas na Faixa de Gaza.
9. Como israelenses e palestinos justificam a violência?
A decisão de iniciar uma incursão terrestre em Gaza tem, segundo
Israel, um objetivo: desarmar os militantes palestinos e destruir os
túneis construídos pelo Hamas e outros grupos a fim de se infiltrar em
Israel para realizar ataques.
Israel quer o fim do lançamento de foguetes do Hamas contra território
israelense. A maioria dos foguetes não tem nenhum impacto, já que o país
conta com um sistema antimísseis avançado, o Domo de Ferro.
Israel diz ter o direito de defender-se e acusa o Hamas de usar escudos
humanos e realizar ataques a partir de áreas civis em Gaza. O grupo
palestino nega.
O Hamas diz que lança foguetes contra Israel em legítima defesa, em
retaliação à morte de partidários do grupo por Israel e dentro de seu
direito de resistir à ocupação e ao bloqueio.
10. O que falta para que haja uma oportunidade de paz duradoura?
Israelenses teriam de aceitar a criação de um Estado soberano para os
palestinos, o fim do bloqueio à Faixa de Gaza e o término das restrições
à circulação de pessoas e mercadorias nas tres áreas que formariam o
Estado palestino: Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
Grupos palestinos deveriam renunciar à violência e reconhecer o Estado de Israel.
Além disso, eles teriam que chegar a acordos razoáveis sobre fronteiras, assentamentos e o retorno de refugiados.
No entanto, desde 1948, ano da criação do Estado de Israel, muitas
coisas mudaram, especialmente a configuração dos territórios disputados
após as guerras entre árabes e israelenses.
Para Israel, estes são fatos consumados, mas os palestinos insistem que
as fronteiras a serem negociadas devem ser aquelas existentes antes da
guerra de 1967.
Além disso, enquanto no campo militar as coisas estão cada vez mais
incontroláveis na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silenciosa na
Cisjordânia, com a construção de assentamentos israelenses, o que reduz,
de fato, o território palestino nestas áreas.
Mas talvez a questão mais complicada pelo seu simbolismo seja Jerusalém, a capital tanto para palestinos e israelenses.
Tanto a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia, quanto o grupo
Hamas, em Gaza, reinvindicam a parte oriental como a capital de um
futuro Estado palestino, apesar de Israel tê-la ocupado em 1967.
Um pacto definitivo nunca será possível sem resolver este ponto.
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